terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

O Amor e o Ódio


Cena 1: Entra o Divino. Dirige-se a mim e diz:

Outrora ventos a soprar, outrora mortes a contar.
Aqui jaz o Amor. Cinzas.

Soprei vida em tuas margens, bordei suas panaceias
Minhas linhas em tua carne está, minha vida na sua a restar

Uivam os ventos daquele morro, bate à minha janela o grande lobo
Feroz e raivoso, os outros assim o veem. Inocente ele é.

Cena 2: Sai o Divino. Entra o Malfazejo.

Do Amor, as cinzas restou; dele, levo a dor. Dos seus caminhos nada desenhados, do seu futuro borrado. Seus mil olhos não puderam ver; cego, coitado, não quir viver. Sua vitalidade é nenhuma. Sua história é inuma.

Ó, amores de tão belas vistas, viestes tú visitar o reino das agonias. Não desperdices tuas dramaturgias!

Cena 3: Sai o Amor e entra o Ódio
(No inicio dos tempos)

Num campo vasto e reluzente brincavam dois seres especiais, suas magias eram transcendentais. Um dia, sem motivo aparente, o Divino desceu dos céus. Repousou em vestes novas e saiu ao campo a plantar. Não houve fertilidade, porém. Não houve encantos também. Houveram apenas olhares e buscas.

O Divino então falou:

- Das sementes que vos dareis, destas que lhes mostro não planteis.

Num dia belo de primavera o Amor plantou uma semente. Sem saber o que cresceria, a regou todos os dias. No último dia a regar, entretanto, chamou o Ódio a um canto:

- Das minhas vestes sairá discórdias, não explico-te por hora, mas recompensas terás e por tanto a minha semente, hoje, regarás.

Destruição, rancor, mofino. Lamentação... Clamou ao Divino. Desce o mais belo ser. Com trovões e raios descontrolados, atira contra aquele ser calado. Atirado aos pés daquela flor que brotara, consumindo por escuridão que dela gritara. Correndo rápido pelo campo, voa o Divino e resgata o Amor; ele abraçado chora toda a dor. Daquele dia em diante, vive o Ódio errante, abandonado pelos erros alheios, enquanto o amor seduz o Divino com seus veraneios.

Cena 4: À Eternidade de Dor

Dos céus mais límpidos e azuis, dos brilhos eternos de luz
A dor que ali foi plantada, nunca - jamais - será curada
Eu, Deus da Eternidade, juro-te que sofrerás
Não por mim ou por Ódio, que era teu amigo, mas sim por teus atos que mostraram-se inimigos

Viverás a dor dos encontros e dos segredos escondidos
Plantarás inúmeros amores e colherás rios de dores
Não viverás Amores Eternos e não encontrarás paz em teus ardores
Dentre muitos que surgirão, porém, deixarei-te com alguns frascos de beleza
Pois deles precisarás para viver e então com este dever cumprir
Perderás sua perfeição e o Ódio então saberá que, um dia, poderá te perdoar.

Cena 5: O Ódio
(Nos tempos atuais)

É inverdade que não sou o bem. É impuro aqueles que me mantem. Sou do campo um ser liberto, sou das vestes a incerteza do Amor, o medo de plantar. Sou as teimosias daquele que me traiu. Eu, porém, amei um dia. E deste dia não pude lembrar, minha memória foi apagada, minha história foi borrada. Daquele raio que vivi, daquele tormento que levei, minha alma foi esquecida. Já não tenho mais lembranças de um campo perfeito. Se as tenho agora, vos contarei outrora.

(No meio dos tempos)

Vivendo minha vida injustiçado, caminhei perpetrado. Eis, porém, um dia que alguém à mim olhou, tocou meu rosto e então soprou. Minhas alegrias retornaram e o encantador então eu pude ver. Caminhamos alguns milênios e muito lamentação começou a surgir. Seu nome era Beleza. Mas ela já não queria mais viver e dizia guardar grande rancor, contou-me histórias de muita dor.

Beleza era muito bem amada, todos a admiravam. Suas histórias nem sempre eram tão belas, vivia dizendo que por trás do nome muitas peripécias estavam guardadas. Antes de morrer disse sabiamente:

- Não há paisagens tão belas e tão puras que não guardem segredos. Não sou perfeição, apesar de ser assim modulada. Não engana-te com vestes lindas, procure bem mais fundo. Cave um terreno vazio e plante ali, assim poderás ver os frutos que darão.

Sua morte então explicarei.

Cena 6: Aqui Jaz a Mentira

Próximo ao momento sublime ela chegara e quando se está próximo dos Céus as inverdades caem. Logo caiu uma parte de seu corpo, eu tentei colocar no lugar, mas percebi que aquele nome não era nativo dali. Vi faces e faces, entrei em frenesi. Do meu amor secular, uma mentira restou. Abri em dor. Dos meus campos belos, veio o Amor. Dos meus campos puros, veio a dor. Do meu esquecimento, um alguém. Das minhas impurezas, a Beleza.

O Amor tentou concertar, num tiro cego me levou direto ao altar. Suas dúvidas e medos trouxeram ilusão, mas no fim sobrou apenas a razão. Uma vida de eternidade ele não pode aguentar, sua semente acabara de brotar. Fui enganado mais uma vez. O que eu fiz, Divino?! Expliqueis!

Daqueles versos bonitos que compusemos, todas as linhas foram rabiscadas. Minha memória foi regenerada. Sofri indubitavelmente, eu sei. Não foi culpa minha, o Amor deixou tudo passar. Eu absorvi os medos e amarguras, as dores do mundo. Não pude mais habitar, tive que me isolar. Beleza então surgiu para me cuidar, assim sozinho eu nunca mais iria estar. Mas Beleza revelou-se ser Amor, disfarçado, acanhado, cheio de dor. Perdoo-te, Ó, errante meu. Aquela semente maldita já não eterniza os carinhos meus. Serás Eterno enquanto dure e eu estarei sempre acompanhando seus passos. Não deixarei jamais que alguém interfiras e por ti loucuras eu farei. Não saberás a dor dos sonhos perdidos, por Amor e para o Amor eu entrarei em guerra.


Cena 7: As Cores Se Confundem

Depois de narrar incertezas da história, o Divino me disse que o Ódio foi sempre Amoroso. Não soube bem interpretar, mas percebi que o Amor pode enganar. As vezes sementes de angústia crescem entre belas flores. Hoje já não sei mais sentir Amor ou Ódio. Os dois pólos se perderam. Não me resta nomear aquilo que, no mundo dos humanos, chamam sentimento. Tolos, inocentes, não sabem que Amor e Ódio um dia viveram.

Não arrisco usar tais nomes para fins sentimentais; o Divino me ensinou que devo tornar tudo abstrato. Hoje pinto a minha tela a minha maneira. Deixei os Campos e vivo nos Céus. Voo como um pássaro liberto que pousa em nuvens e sobrepassa ondas. Sou um eterno infinito de mim e, lá no fundo, lembro do Amor e do Ódio que um dia viveram. Faço deles um eu em mim. E vivo aquilo que me nomeio. Vivo aquilo que me faz. Aquilo que me move. Que não precisa nomear. Que não se descreve.

Cena 8: Um Nome Em Segredo

A Beleza negou suas virtudes e me ensinou a olhar o Amor, enquanto esse me ensinou que o Ódio tem origens e que ele pode não ser o culpado. Por último, ele me ensinou loucuras e esperanças, me ensinou inocência e turbulências. Uni tudo e criei um novo sentimento, mas ele se basta a mim. E a quem me toca. E a quem eu permito. No fim, volto a Cena 1 com a morte do Amor. E, acrescento que, depois dele, surge um novo ser especial, mas desta vez a história não saberá o nome de tal magia, assim não terá sementes para plantar. Aqui jaz um nome. E suas Cinzas tornaram-se minha Fênix. Eternamente minha.